Fernanda Bernd- Blog
sábado, 14 de setembro de 2013
quarta-feira, 1 de maio de 2013
REFLEXÕES SOBRE O AMOR - I
Dando início ao projeto de tecer reflexões sobre o tema Amor, introduzo algumas questões para serem pensadas e conversadas.
Primeiramente saliento que ninguém sabe nada sobre o amor. Não existe especialista que poderia explicá-lo. É um grande mistério que existe desde os primórdios da humanidade. Por ser um fenômeno sem nenhuma objetividade, a ciência não se ocupa dele, nos restando apenas refletir sobre suas manifestações na literatura, poesia, história e filosofia. Meu convite é um pensar sobre o amor/paixão excluindo os amores fraternais, parentais, etc.
O amor é formado pelo desejo, pelo medo e por nossas fantasias. O amor deseja o que não possui e deseja não perder o que possui. Ele tem a marca da nossa história, do percurso de nossa vida. De alguma forma é também, o amor, um trabalho mental. É nossa mente que constrói o fascínio pelo objeto amado. Nos homens, sabe-se que o desejo desperta, na maioria das vezes, através do olhar. Já na mulher é um pouco mais complicado. Para elas, o amor está conectado muito mais com seu mundo concreto, enquanto para os homens com seu mundo de sonho. Segundo Isabel Allende, o ponto G do homem é nos olhos, na mulher é nos ouvidos. As diferentes formas de amar entre homens e mulheres será mais aprofundada em um próximo post. Exemplifico a vivência feminina mais concreta do amor através de uma cena do filme Closer (2004), de Mikel Nichols, onde Alice (Natalie Portmann), questiona Dan (Jude Law):
" Onde está o amor? Eu não posso vê-lo, não posso tocá-lo, não posso senti-lo, não posso ouvi-lo. Eu posso ouvir algumas palavras, mas não posso fazer nada com suas palavras fáceis.. "
Como provar o amor? O amor precisa de provas? Evidente que sim. Não tocamos o amor, não vemos o amor. Sentimos apenas aquilo que está dentro de nós, ou aquilo que imaginamos. Não podemos sentir o sentimento do outro. Portanto, como saber se somos amados? São demonstrações concretas que nos convencem e que alimentam nossa esperança. Quando acaba a esperança, acaba o amor. Além de palavras, atitudes. Amar é lançar-se ao outro, lançar-se simbolicamente e concretamente. Dar-se. Se não for assim, não passa de um amor narcísico, onde a pessoa aprisiona o amor a si própria. Quem espera o momento certo para demonstrar o amor, corre o risco de perdê-lo.
"Se sou amado,
mais correspondo ao amor.
Se sou esquecido
devo esquecer também.
Pois amor é feito de espelho:
tem que ter reflexo."
Pablo Neruda
Contudo, existe um equilíbrio instável que reside em não se entregar totalmente, ao mesmo tempo em que não se pode deixar de se entregar. O mistério é um outro grande tempero do amor. O desvelamento completo do ser amado é o antídoto para o desinteresse. Poderíamos pensar que seria este um dos grandes problema dos casamentos, onde o convívio diário esgota o mistério e as surpresas, grandes poções mágicas da paixão. Um outro problema que o casamento traz aos amantes, é o compromisso. Amor ama liberdade, necessita de ar e espaço para sobreviver. A rotina paralisa, retira o movimento que impele o desejo. No século XVIII era praxe ambos cônjuges terem seus amantes, uma vez que os casamentos eram baseados em compromissos de ordem financeira e familiar, destino comum para os casamentos atuais também. Agora, a diferença é a hipocrisia que impera dentro das relações.
Não existe um modelo ideal de amor. Amamos como conseguimos e como aprendemos a amar. E vamos aprendendo e desaprendendo ao longo de nossas vidas. A palavra de ordem da nossa contemporaneidade é "ficar". E isto não é amor? Porque não? Se analisarmos o discurso amoroso no decorrer da história, perceberemos grandes modificações nas suas manifestações. Cada época secreta suas próprias utopias e ilusões amorosas. No momento atual existe uma grande diversificação e possibilidades. Qualquer forma de paixão é possível. Não existe fórmula e nem garantias. Apenas o desejo de duas pessoas ficarem juntas e extraírem deste momento o máximo de prazer possível, prazer de uma forma ampla. O amor é invenção. O amor é criação.
ARTE DE AMAR
"Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma. Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não."
Manuel Bandeira
segunda-feira, 22 de abril de 2013
E por falar em amor...
Soneto XVII
No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.
Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.
Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.
segunda-feira, 14 de maio de 2012
"O cinema está morto. Vida longa ao cinema"
Peter Greenaway
Em recente
conferência ao Fronteiras do Pensamento em São Paulo o diretor britânico Peter
Greenaway provocou o público com suas afirmações eloquentes a respeito do
cinema na atualidade. Com o intuito de ampliar o leque de associações, convidei
o ator brasileiro, Lucas Fontoura que atualmente reside em Nova York, para
discutirmos algumas da ideias de Greenaway.
Lucas mudou-se pra NY após receber uma bolsa
para estudar no Conservatório da Stella Adler Studio of Acting. Ele atuou
em séries da RBS, filmes independentes no Brasil, no teatro em Porto Alegre, em
filmes independentes nos EUA e no palco Off-off Broadway em NY. Seu último
trabalho no Brasil antes de se mudar pra NY foi interpretar Cristo na produção
do Grande Inquisidor dirigida pelo inglês Peter Brook.
A partir do
recorte de algumas pérolas retiradas da conferência e de algumas respostas de
Greenaway dadas na entrevista ao Fronteiras publicada na revista VEJA, Lucas
desenvolverá seu contraponto e opinião em relação as afirmações do diretor britânico e do
cinema contemporâneo de uma forma geral.
"Só o mundo nostálgico contemporâneo consegue ficar duas horas parado numa sala escura. Esse mundo é passado, acabou"
"…O bom ator atual é alguém treinado para fingir que não está sendo filmado…""A obrigação de fingir é um insulto à nossa inteligência e ao potencial do ator. Precisamos nos livrar da tirania do ator…"
Entrevista publicada na revista VEJA:
O que acha do cinema feito hoje? Insatisfatório, não dá asas à imaginação. É bobo, são apenas
histórias para boi dormir. Ainda há espaço para esse formato que está aí há 170
anos, mas as pessoas desejam o novo, então, temos de mudar alguma coisa. O
mundo muda e o cinema tem de mudar. O planeta tem 7 bilhões de pessoas. Todas
elas estão sonhando e realizando coisas, mas ainda assim é difícil fazer algo
completamente novo. Acho que uma maneira de criar algo novo é pela combinação
de coisas antigas. A história é cíclica. Quando nos cansamos de Schoenberg,
tivemos de esperar até os anos 1960 para que surgisse algo novo na música. A
experiência ainda era válida, mas não nos empolgava mais. Hoje, vivemos em
busca da “nova grande coisa”
E de onde virá a próxima novidade? Não tenho ideia, mas ela virá. Eu cresci vendo filmes da nouvelle vague
e peguei a grande época do cinema italiano, quando havia gente produzindo
coisas incríveis. Mas o centro da gravidade não é mais a Europa, que é um
continente antiquado. A mudança provavelmente virá da Ásia, ou até do Brasil,
porque há muito dinheiro fluindo no país agora. Dinheiro significa lazer, lazer
significa pensar e pensar significa criar. Se cruzarmos nossos dedos, poderá
haver uma revolução cultural nesse país ainda nessa década. São as pessoas que
vêm de baixo que mudam tudo, que experimentam, não os dinossauros de Hollywood.
Eles não querem isso, eles querem dinheiro.
O problema é a falta de
criatividade? Não. Há muitas outras pessoas como eu, empurrando as
barreiras e abrindo novos caminhos. Mas Hollywood não é assim. Eles usam o
cinema como propaganda. Uma comissão de pessoas se junta e diz: “Temos de
arrumar um jeito de ganhar 50 milhões de dólares, como faremos isso?” E as
pessoas vão dando suas sugestões. É por isso que os filmes são tão amenos e
inofensivos, porque são feitos por várias pessoas, e não por uma só. O problema
é que esse tipo de filme não dura. Nos museus, você tem cerca de 3% do que já
foi produzido pela humanidade. E os outros 97%? A civilização humana em si é um
processo de desperdício.
Como o senhor vê a internet? Costumavam dizer que o cinema foi o meio que se espalhou mais rápido.
Foi inventado em Paris em 1895, mas, 10 ou 15 anos depois, todo mundo conhecia
o cinema. Só há uma coisa que se propagou mais rápido: a internet. É assim que
nos comunicamos agora. Esses instrumentos, celulares, tablets etc. são
sofisticados agora, mas seus filhos e netos vão achar tudo isso chato e muito
fácil. O choque do novo é inevitável. Minha avó teria achado esse gesto
incrível(Greenaway se levanta e pressiona os interruptores para acender e apagar
as luzes da sala).
O que o senhor propõe é muito
semelhante à videoarte feita hoje. Não é? É parte do mesmo fenômeno.
Eu acho que a videoarte é chata. É só masturbação. Quando eu faço um filme de
120 minutos, faço vários pedaços de vídeos que depois são colados em uma coisa
só. Enquanto isso, a videoarte é só projeção.
O que acha do 3D? É
entretenimento fácil. Minhas filhas amam. Mas eu não acho que vá mudar o
cinema. Eu trago algum objeto para perto de você e na quinta vez que eu fizer
isso, você já vai achar chato. Temos de fazer algo mais poderoso do que criar
mais um artifício. O 3D só serve para arrastar as pessoas para o cinema. James
Cameron disse que era isso o que ele queria com Avatar, e ele obteve sucesso. É
o filme que mais arrecadou dinheiro na história, mas é um filme estúpido e
lamentável. É sobre um aleijado que salva o universo. Você não pode estar
falando sério. Quão estúpido isso é? É uma ideia absurda, impossível.
E A Invenção de Hugo Cabret,
de Martin Scorsese?Aquilo foi terrível. Que filme horrível. Todo aquele
sentimentalismo. Até a minha filha de sete anos disse: “Papai, temos de ir
embora, porque esse filme é entediante”. Já o de Steven Spielberg, As Aventuras
de Tintin, é mais sofisticado e rápido. Mas, mesmo assim, duas horas depois que
você o viu, já o esqueceu. Quando você coloca muito dinheiro em um filme, sabe
que ele não vai durar. Se pegarmos os filmes mais empolgantes que já vimos,
eles certamente custaram menos de 500.000 dólares.
O senhor diz que os atores só têm
duas funções na tela: transar e morrer. Hitchcock dizia que atores são
como gado. São basicamente pessoas que você veste em figurinos exagerados e
diz: “Vá lá e faça sexo” ou “Vá lá e morra”. São pessoas horríveis, prostitutos
que se vendem por vaidade e, é claro, por dinheiro. Mas acho que o ator não
pode ser visto dessa forma, apenas como uma pessoa que você manipula. Quando eu
filmo, faço no máximo cinco tomadas. Se você é Woody Allen, faz 300, e se é
Scorsese, faz 3.000. Com poucas tomadas, eu consigo ver o ator fazendo a mesma
cena de formas diferentes, sem que esse processo se torne mecânico. É
fascinante assistir à transformação do ator, porque a pessoa desenvolve o
personagem. Eu já trabalhei com gente muito inteligente, como Helen Mirren e
John Gielgud, mas acho que o cinema não aproveita essa inteligência. Também
acho que precisamos educar os atores de outra maneira. Usamos os atores da
mesma forma que o teatro usa, mas o cinema é um meio diferente.
Existem bons talentos na geração
atual? Eu não vou muito ao cinema, mas preciso me atualizar para
montar elenco. Estou trabalhando em cinco filmes agora e preciso de um elenco
grande. Sempre vejo DVDs e procuro atores de que preciso. Estou fazendo um
filme sobre (o diretor russo) Sergei Eisenstein. Encontrar
alguém que o interprete é um desafio, porque ele era gordo e feio, e Hollywood
não produz bons atores desse tipo. É um estereótipo cheio de contradições. Mas
existe gente boa na nova geração, sim. Eu acabei de fazer um filme (Goltzius
and the Pelican Company) com um ótimo ator holandês, Ramsey Nasr. Mas ele
não é exatamente um ator, ele é um poeta, então conhece muito sobre linguagem e
como usá-la. Mas é melhor assim. Muito treino pode ser ruim para o ator, pode
matar a espontaneidade.
O senhor já foi chamado de louco
muitas vezes? Muitas vezes. E abusado, também. Já colocaram ameaças na
minha caixa de correio. Uma senhora certa vez me parou na rua e disse: “O que
diabos a sua mãe pensa de você, senhor Greenaway?”. As pessoas não querem mudar
seu status quo. (O compositor americano) John Cage costuma
dizer que, se você introduzir mais de 20% de novidades em qualquer trabalho de
arte, cuidado, porque você vai perder 80% do seu público. As pessoas ficam
perturbadas com tudo o que é novo. Acho que a sociedade me autoriza como seu
guia na busca do novo. Eu posso ir aonde vocês não querem ir.
Lucas Fontoura:
"Transformações acontecem em qualquer área, se transformar não é morrer ."
Quanto a "atuar ser um insulto a
inteligência do ator", eu acho que muitos diretores por não entenderem o
processo de atuar, acabam falando coisas desse tipo. O Peter Greenaway não é o
primeiro e infelizmente não vai ser o último. Esse tipo de opinião vem de um
egocentrismo comum entre alguns diretores. É claro que um filme é um meio do
diretor, o ator tem apenas o privilégio de estar ajudando a contar a história.
Dito isso, os melhores diretores são aqueles que entendem o processo de um
ator. Portanto, diretores que já atuaram acabam sendo mais sensíveis e isso se
reflete nos seus filmes. Um diretor como o Peter Greenaway, que na minha opinião
não entende nada de atuação, diz que temos que reeducar os atores. Esse é o
mesmo cara que disse que o trabalho do ator é transar e morrer. Isso é de uma
ignorância incrível. Diretores como ele deveriam se reeducar e aprender sobre o
processo do ator. O problema é que pessoas assim não estão nem aí para esse
processo, porque tudo o que conta para eles são suas "grandes
ideias".
O
cinema nunca morreu e provavelmente nunca morrerá. Transformações acontecem em
qualquer área, se transformar não é morrer . Eu vejo o 3D como uma forma de
entretenimento totalmente descartável. Nem Hugo, nem o Avatar são meus filmes
favoritos, porém criticar a magia e o romanticismo desses filmes é cínico e
pessimista. O problema é que esses que criticam, não conseguem ver essa magia.
O mundo, não só o cimena, precisa de românticos e de idealistas.
Sem dúvida que o ideal do ator é atuar
como se não houvesse uma platéia. Isso não é nenhuma novidade e ficou
cristalizado com os ensinamentos de Kosntantin Stanislwawski (Diretor do Moscow
Art Theater no final do sec 19 e início do sec 20).
Quanto aos desafios do cinema, não acho
que um deles seja falta de criatividade. O que falta e sempre faltou, não só em
Hollywood, é falta de integridade. Atuar sem parecer que se está atuando, fazer
um filme que toque as pessoas e faça elas sentirem e se identificarem com a
história, tem tudo a ver com integridade. A Stella Adler sempre disse que se
desenvolver como ser humano é igual a se desenvolver como ator.
Muitos filmes de Hollywood perdem essa
qualidade por se tornarem um negócio. Os executivos tem as rédeas da história e
não o artista, por isso vemos tanto lixo vindo de Hollywood. Ao mesmo tempo,
existem coisas boas que vem de Hollywood e o filme-negócio não é caracteristica
de todos os projetos que saem de lá. Se fechar para Hollywood, criticar
cegamente seus filmes é pouco construtivo e preconceituoso. Existe cinema ruim
sendo feito em toda parte do mundo, assim como bom cinema. É claro que por ser
o centro cinematografico mais exposto, Hollywood vai ser sempre o mais
criticado. Dizer que o cinema de hoje " é bobo, apenas histórias pra
boi dormir " é ridículo. Em todas as eras, em todos os lugares sempre
houve gente que falou essas mesmas coisas . Acho isso extremamente amargo e
pessimista. Essa preocupação com qual será a próxima grande novidade é fútil e
não acrescenta nada. Arte verdadeira não busca a próxima grande novidade mas
simplesmente a verdade. É isso que torna algo eterno. Aquele trabalho que toca
as pessoas e que muitas vezes é difícil de descrever em palvaras, até porque
está muito além das palavras e da nossa característica de colocar rótulos em
tudo. Essa verdade está bem além da nossa mente analítica e regida pelo ego .
segunda-feira, 16 de abril de 2012
SHAME
Um conto sobre a solidão no mundo contemporâneo
Nunca NY , a cidade mais povoada dos EUA e uma das mais populosas do mundo, parecera tão deserta. Neste cenário, numa big apple fantasmagórica enfatizada pelo diretor Steve MacQueen, encontramos a mais profunda das solidões vivenciadas na nossa modernidade. O vazio ao assistirmos Shame, assemelha-se ao experimentado em Blade Runner (1982). O protagonista, Brandon Sullivan (Michael Fassbender) não está muito distante dos andróides de Ridley Scott, que nasciam adultos e tinham que aprender a sentir e a reconhecer seus sentimentos, como bebês crescidos em meio à selva urbana.
Regada por uma trilha sonora mais que nostálgica aos contemporâneos setentistas e oitentistas, se desenrola a estória de um homem solteiro que reside e trabalha em Manhattan. Bares, casos eventuais com sexo casual, garotas de programa, masturbação e pornografia, fazem parte de sua rotina carimbada pela solidão. A melancólica corrida noturna ao som do piano de Glenn Gloud, parecia mais uma forma de descarregar algo de sua mente, do que propriamente um simples exercício físico.
O filme inicia com uma cena que considero uma preciosidade, tratando-se de expressões. Brandon está sentado no metrô a caminho de seu trabalho. Frio e impassível observa uma mulher sentada à sua frente. Seu olhar é direto, inalterável, hipnotizante, como um predador mirando sua presa. Ela, aos poucos, vai relaxando, deixando-se penetrar, nos dando a sensação de um quase êxtase. Já nesta cena, Brandon mostra o que faz de melhor durante todo o filme - capturar o desejo das mulheres. O atributo masculino de despertar o desejo feminino é habilmente utilizado por ele. Contudo, nada progride além de um orgasmo. Desejos que escoam pela privada, assim como suas masturbações compulsivas a qualquer hora do dia. Masturbação que por si, funciona como um droga, uma fuga, uma recusa do desejo, que liberando-o da necessidade do outro transforma a possível dependência de alguém em dependência de algo. Provável forma de se proteger da falta ou abandono que poderia vir a experimentar em uma possível relação, como faz um dependente químico ao buscar na miragem passional a consistência ontológica que não possui.
Toda a liberdade de Brandon é interrompida quando abruptamente sua irmã Sissy, (Carey Mulligan) invade sua vida. Ao som de “I want your love” (Chic) tocado em um vinil, ele entra em casa achando que há um ladrão, mas surpreende-se ao encontrá-la tomando banho. É neste momento, com tempero incestuoso, que os irmãos se reencontram. O encontro de duas faces de uma mesma moeda. Sissy, o estereótipo da mulher carente, emotiva e passional contrapõe-se à frieza, racionalidade e egoismo do irmão. Estão, os dois, frente a frente com o oco de suas existências.
Outra pérola do filme é a cena em que Sissy interpreta New York New York. A tristeza que perdura ao longo da interminável música consegue arrancar a que foi a única lágrima de seu irmão. Ali se evidencia a vergonha que Brandon possui em relação ao seus sentimentos. Ele esconde o que na irmã transborda: o medo do abandono, um provável passado sofrido e a impossibilidade de amar e ser amado.
“Depois do silêncio o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música”. Aldous Huxley.
Às margens do rio Hudson, Brandon experimenta o que mais se aproxima do que poderia vir a ser uma vivência amorosa e se depara com sua maior impotência.
"O amor tem a virtude, não apenas de desnudar dois amantes um em face do outro, mas também cada um deles diante de si próprio.
Cesare Pavese.
A patologia de Brandon não se situa na compulsão sexual ou masturbatória, mas sim na impossibilidade de criar qualquer tipo de laço. O sexo aparece banalizado, isento de sensualidade e afeto. Ocorre como ato em si, sem simbolização, sem significado. A pura descarga de uma dor psíquica intraduzível que se despeja num buraco ou corpo qualquer. O esvaziamento, que a priori traria alivio e prazer, o lança para um vazio ainda maior, ao encontro daquilo que nas suas compulsivas relações ele tenta não encontrar, a perda de seu próprio ser. Penso ser este um dos maiores dramas da nossa modernidade, o que chamaria de um niilismo afetivo, onde a busca e super valorização de uma pseudo liberdade nos conduz à maior das escravidões. Escravos da solidão e do empobrecimento afetivo. Assolados por um destino solitário, acabamos sujeitados à crueldade do abandono em um universo populoso mas estéril de relações mais duradouras e profundas.
Shame não é uma estória de amor, muito menos um dramalhão hollywoodiano. É um conto contemporâneo que retrata o vazio e o sofrimento resultantes da marginalização do próprio desejo e da volatilidade dos vínculos. Além das excelentes interpretações de Fassbender e Mulligan a magnífica trilha sonora fazem dele um dos melhores do ano! Imperdível.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Fim de Caso
Só nesta noite senti o infinito nos nossos corpos
Só esta noite retornará interminável nos nossos sonhos
Senti cada pedaço do teu corpo,
Como se fosse o meu
Senti o cheiro do desejo e o gosto das tuas entranhas
Deslizando na minha garganta
A ânsia de te ter mais e mais
Nos engolimos
Suspiramos
Delirando,
Nos consumimos
Sobraram pedaços
Destroços ao avesso
Cansados
Nos deixamos
Sabendo que era o início de algum fim
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
CIO
Lucian Freud
A periodicidade das visitas foi domesticando os instintos. Seu corpo já o aguardava, sabia quando ligaria. No espaço exíguo do cio, semanalmente, sujeitava-se ao corpo dele, seco e blindado.
O desejo linear daquele homem era um enigma que a desafiava. Nada do que ela fizesse modificava a intensidade constante e gélida dos encontros. Os corpos eram seus limites.
Sem questionar, sem cobrar, o que ela recebia eram trinta minutos de um prazer ritualizado. Não conhecia o gosto de sua boca, meramente o do corpo. Por um longo tempo ela o quis deste jeito, sem perceber, suas veias foram se esvaziando e resfriando.
Contagiada pelo frio, ele não mais era um mistério. Tornaram-se iguais. Petrificada, o matou. Não reconheceu a diferença entre o cadáver e o corpo vivo. O sangue voltou a circular quente.
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