segunda-feira, 14 de maio de 2012

"O cinema está morto. Vida longa ao cinema"


                                               Peter Greenaway



Em recente conferência ao Fronteiras do Pensamento em São Paulo o diretor britânico Peter Greenaway provocou o público com suas afirmações eloquentes a respeito do cinema na atualidade. Com o intuito de ampliar o leque de associações, convidei o ator brasileiro, Lucas Fontoura que atualmente reside em Nova York, para discutirmos algumas da ideias de Greenaway.

Lucas mudou-se  pra NY após receber uma bolsa  para estudar no Conservatório da Stella Adler Studio of Acting. Ele atuou em séries da RBS, filmes independentes no Brasil, no teatro em Porto Alegre, em filmes independentes nos EUA e no palco Off-off Broadway em NY. Seu último trabalho no Brasil antes de se mudar pra NY foi interpretar Cristo na produção do Grande Inquisidor dirigida pelo inglês Peter Brook.
 
A partir do recorte de algumas pérolas retiradas da conferência e de algumas respostas de Greenaway dadas na entrevista ao Fronteiras publicada na revista VEJA, Lucas desenvolverá seu contraponto e opinião em relação as afirmações do diretor britânico e do cinema contemporâneo de uma forma geral.

   "Só o mundo nostálgico contemporâneo consegue ficar duas horas parado numa sala escura. Esse mundo é passado, acabou"
   "…O bom ator atual é alguém treinado para fingir que não está sendo filmado…"
             "A obrigação de fingir é um insulto à nossa inteligência e ao potencial do ator. Precisamos nos livrar da tirania do ator…"

Entrevista publicada na revista VEJA:

O que acha do cinema feito hoje? Insatisfatório, não dá asas à imaginação. É bobo, são apenas histórias para boi dormir. Ainda há espaço para esse formato que está aí há 170 anos, mas as pessoas desejam o novo, então, temos de mudar alguma coisa. O mundo muda e o cinema tem de mudar. O planeta tem 7 bilhões de pessoas. Todas elas estão sonhando e realizando coisas, mas ainda assim é difícil fazer algo completamente novo. Acho que uma maneira de criar algo novo é pela combinação de coisas antigas. A história é cíclica. Quando nos cansamos de Schoenberg, tivemos de esperar até os anos 1960 para que surgisse algo novo na música. A experiência ainda era válida, mas não nos empolgava mais. Hoje, vivemos em busca da “nova grande coisa”

E de onde virá a próxima novidade? Não tenho ideia, mas ela virá. Eu cresci vendo filmes da nouvelle vague e peguei a grande época do cinema italiano, quando havia gente produzindo coisas incríveis. Mas o centro da gravidade não é mais a Europa, que é um continente antiquado. A mudança provavelmente virá da Ásia, ou até do Brasil, porque há muito dinheiro fluindo no país agora. Dinheiro significa lazer, lazer significa pensar e pensar significa criar. Se cruzarmos nossos dedos, poderá haver uma revolução cultural nesse país ainda nessa década. São as pessoas que vêm de baixo que mudam tudo, que experimentam, não os dinossauros de Hollywood. Eles não querem isso, eles querem dinheiro.



O problema é a falta de criatividade? Não. Há muitas outras pessoas como eu, empurrando as barreiras e abrindo novos caminhos. Mas Hollywood não é assim. Eles usam o cinema como propaganda. Uma comissão de pessoas se junta e diz: “Temos de arrumar um jeito de ganhar 50 milhões de dólares, como faremos isso?” E as pessoas vão dando suas sugestões. É por isso que os filmes são tão amenos e inofensivos, porque são feitos por várias pessoas, e não por uma só. O problema é que esse tipo de filme não dura. Nos museus, você tem cerca de 3% do que já foi produzido pela humanidade. E os outros 97%? A civilização humana em si é um processo de desperdício.



Como o senhor vê a internet? Costumavam dizer que o cinema foi o meio que se espalhou mais rápido. Foi inventado em Paris em 1895, mas, 10 ou 15 anos depois, todo mundo conhecia o cinema. Só há uma coisa que se propagou mais rápido: a internet. É assim que nos comunicamos agora. Esses instrumentos, celulares, tablets etc. são sofisticados agora, mas seus filhos e netos vão achar tudo isso chato e muito fácil. O choque do novo é inevitável. Minha avó teria achado esse gesto incrível(Greenaway se levanta e pressiona os interruptores para acender e apagar as luzes da sala).



O que o senhor propõe é muito semelhante à videoarte feita hoje. Não é? É parte do mesmo fenômeno. Eu acho que a videoarte é chata. É só masturbação. Quando eu faço um filme de 120 minutos, faço vários pedaços de vídeos que depois são colados em uma coisa só. Enquanto isso, a videoarte é só projeção.



O que acha do 3D? É entretenimento fácil. Minhas filhas amam. Mas eu não acho que vá mudar o cinema. Eu trago algum objeto para perto de você e na quinta vez que eu fizer isso, você já vai achar chato. Temos de fazer algo mais poderoso do que criar mais um artifício. O 3D só serve para arrastar as pessoas para o cinema. James Cameron disse que era isso o que ele queria com Avatar, e ele obteve sucesso. É o filme que mais arrecadou dinheiro na história, mas é um filme estúpido e lamentável. É sobre um aleijado que salva o universo. Você não pode estar falando sério. Quão estúpido isso é? É uma ideia absurda, impossível.



A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese?Aquilo foi terrível. Que filme horrível. Todo aquele sentimentalismo. Até a minha filha de sete anos disse: “Papai, temos de ir embora, porque esse filme é entediante”. Já o de Steven Spielberg, As Aventuras de Tintin, é mais sofisticado e rápido. Mas, mesmo assim, duas horas depois que você o viu, já o esqueceu. Quando você coloca muito dinheiro em um filme, sabe que ele não vai durar. Se pegarmos os filmes mais empolgantes que já vimos, eles certamente custaram menos de 500.000 dólares. 



O senhor diz que os atores só têm duas funções na tela: transar e morrer. Hitchcock dizia que atores são como gado. São basicamente pessoas que você veste em figurinos exagerados e diz: “Vá lá e faça sexo” ou “Vá lá e morra”. São pessoas horríveis, prostitutos que se vendem por vaidade e, é claro, por dinheiro. Mas acho que o ator não pode ser visto dessa forma, apenas como uma pessoa que você manipula. Quando eu filmo, faço no máximo cinco tomadas. Se você é Woody Allen, faz 300, e se é Scorsese, faz 3.000. Com poucas tomadas, eu consigo ver o ator fazendo a mesma cena de formas diferentes, sem que esse processo se torne mecânico. É fascinante assistir à transformação do ator, porque a pessoa desenvolve o personagem. Eu já trabalhei com gente muito inteligente, como Helen Mirren e John Gielgud, mas acho que o cinema não aproveita essa inteligência. Também acho que precisamos educar os atores de outra maneira. Usamos os atores da mesma forma que o teatro usa, mas o cinema é um meio diferente.



Existem bons talentos na geração atual? Eu não vou muito ao cinema, mas preciso me atualizar para montar elenco. Estou trabalhando em cinco filmes agora e preciso de um elenco grande. Sempre vejo DVDs e procuro atores de que preciso. Estou fazendo um filme sobre (o diretor russo) Sergei Eisenstein. Encontrar alguém que o interprete é um desafio, porque ele era gordo e feio, e Hollywood não produz bons atores desse tipo. É um estereótipo cheio de contradições. Mas existe gente boa na nova geração, sim. Eu acabei de fazer um filme (Goltzius and the Pelican Company) com um ótimo ator holandês, Ramsey Nasr. Mas ele não é exatamente um ator, ele é um poeta, então conhece muito sobre linguagem e como usá-la. Mas é melhor assim. Muito treino pode ser ruim para o ator, pode matar a espontaneidade.



O senhor já foi chamado de louco muitas vezes? Muitas vezes. E abusado, também. Já colocaram ameaças na minha caixa de correio. Uma senhora certa vez me parou na rua e disse: “O que diabos a sua mãe pensa de você, senhor Greenaway?”. As pessoas não querem mudar seu status quo. (O compositor americano) John Cage costuma dizer que, se você introduzir mais de 20% de novidades em qualquer trabalho de arte, cuidado, porque você vai perder 80% do seu público. As pessoas ficam perturbadas com tudo o que é novo. Acho que a sociedade me autoriza como seu guia na busca do novo. Eu posso ir aonde vocês não querem ir.

Lucas Fontoura:

              "Transformações acontecem em qualquer área, se transformar não é morrer ."

            Quanto a "atuar ser um insulto a inteligência do ator", eu acho que muitos diretores por não entenderem o processo de atuar, acabam falando coisas desse tipo. O Peter Greenaway não é o primeiro e infelizmente não vai ser o último. Esse tipo de opinião vem de um egocentrismo comum entre alguns diretores. É claro que um filme é um meio do diretor, o ator tem apenas o privilégio de estar ajudando a contar a história. Dito isso, os melhores diretores são aqueles que entendem o processo de um ator. Portanto, diretores que já atuaram acabam sendo mais sensíveis e isso se reflete nos seus filmes. Um diretor como o Peter Greenaway, que na minha opinião não entende nada de atuação, diz que temos que reeducar os atores. Esse é o mesmo cara que disse que o trabalho do ator é transar e morrer. Isso é de uma ignorância incrível. Diretores como ele deveriam se reeducar e aprender sobre o processo do ator. O problema é que pessoas assim não estão nem aí para esse processo, porque tudo o que conta para eles são suas "grandes ideias".
O cinema nunca morreu e provavelmente nunca morrerá. Transformações acontecem em qualquer área, se transformar não é morrer . Eu vejo o 3D como uma forma de entretenimento totalmente descartável. Nem Hugo, nem o Avatar são meus filmes favoritos, porém criticar a magia e o romanticismo desses filmes é cínico e pessimista. O problema é que esses que criticam, não conseguem ver essa magia. O mundo, não só o cimena, precisa de românticos e de idealistas.
Sem dúvida que o ideal do ator é atuar como se não houvesse uma platéia. Isso não é nenhuma novidade e ficou cristalizado com os ensinamentos de Kosntantin Stanislwawski (Diretor do Moscow Art Theater no final do sec 19 e início do sec 20).   
Quanto aos desafios do cinema, não acho que um deles seja falta de criatividade. O que falta e sempre faltou, não só em Hollywood, é falta de integridade. Atuar sem parecer que se está atuando, fazer um filme que toque as pessoas e faça elas sentirem e se identificarem com a história, tem tudo a ver com integridade. A Stella Adler sempre disse que se desenvolver como ser humano é igual a se desenvolver como ator. 
             Muitos filmes de Hollywood perdem essa qualidade por se tornarem um negócio. Os executivos tem as rédeas da história e não o artista, por isso vemos tanto lixo vindo de Hollywood. Ao mesmo tempo, existem coisas boas que vem de Hollywood e o filme-negócio não é caracteristica de todos os projetos que saem de lá. Se fechar para Hollywood, criticar cegamente seus filmes é pouco construtivo e preconceituoso. Existe cinema ruim sendo feito em toda parte do mundo, assim como bom cinema. É claro que por ser o centro cinematografico mais exposto, Hollywood vai ser sempre o mais criticado. Dizer que o cinema de hoje " é bobo, apenas histórias pra boi dormir " é ridículo. Em todas as eras, em todos os lugares sempre houve gente que falou essas mesmas coisas . Acho isso extremamente amargo e pessimista. Essa preocupação com qual será a próxima grande novidade é fútil e não acrescenta nada. Arte verdadeira não busca a próxima grande novidade mas simplesmente a verdade. É isso que torna algo eterno. Aquele trabalho que toca as pessoas e que muitas vezes é difícil de descrever em palvaras, até porque está muito além das palavras e da nossa característica de colocar rótulos em tudo. Essa verdade está bem além da nossa mente analítica e regida pelo ego .

segunda-feira, 16 de abril de 2012

SHAME



  Um conto sobre a solidão no mundo contemporâneo

            Nunca NY , a cidade mais povoada dos EUA e uma das mais populosas do mundo, parecera tão deserta. Neste cenário, numa big apple fantasmagórica enfatizada pelo diretor Steve MacQueen, encontramos a mais profunda das solidões vivenciadas na nossa modernidade. O vazio ao assistirmos Shame, assemelha-se ao experimentado em Blade Runner (1982).  O protagonista, Brandon Sullivan (Michael Fassbender) não está muito distante dos andróides de Ridley Scott, que nasciam adultos e tinham que aprender a sentir e a reconhecer seus sentimentos, como bebês crescidos em meio à selva urbana.
            Regada por uma trilha sonora mais  que nostálgica aos contemporâneos setentistas e oitentistas, se desenrola a estória de um homem solteiro que reside e trabalha em Manhattan. Bares, casos eventuais com sexo casual, garotas de programa, masturbação e pornografia, fazem parte de sua rotina carimbada pela solidão. A melancólica corrida noturna ao som do piano de Glenn Gloud, parecia mais uma forma de descarregar algo de sua mente, do que propriamente um simples exercício físico.
            O filme inicia com uma cena que considero uma preciosidade, tratando-se de expressões. Brandon está sentado no metrô a caminho de seu trabalho. Frio e impassível observa uma mulher sentada à sua frente. Seu olhar é direto, inalterável, hipnotizante, como um predador mirando sua presa. Ela, aos poucos, vai relaxando, deixando-se penetrar, nos dando a sensação de um quase  êxtase. Já nesta cena, Brandon  mostra o que faz de melhor durante todo o filme - capturar o desejo das mulheres. O atributo masculino de despertar o desejo feminino é habilmente utilizado por ele. Contudo, nada progride além de um orgasmo. Desejos que escoam pela privada, assim como suas masturbações compulsivas a qualquer hora do dia. Masturbação que por si, funciona como um droga, uma fuga, uma recusa do desejo, que liberando-o da necessidade do outro transforma a possível dependência de alguém em dependência de algo. Provável forma de se proteger da falta ou abandono que poderia vir a experimentar em uma possível  relação, como faz um dependente químico ao buscar na miragem passional a consistência ontológica que não possui.
            Toda a liberdade de Brandon é interrompida quando abruptamente sua irmã Sissy, (Carey Mulligan) invade sua vida. Ao som de “I want your love” (Chic) tocado em um vinil, ele entra em casa achando que há um ladrão, mas surpreende-se ao encontrá-la tomando banho. É neste momento, com tempero incestuoso, que os irmãos se reencontram. O encontro de duas faces de uma mesma moeda.  Sissy, o estereótipo da mulher carente, emotiva e passional contrapõe-se à frieza, racionalidade e egoismo do irmão. Estão, os dois, frente a frente com o oco de suas existências.
            Outra pérola do filme é a cena em que Sissy interpreta New York New York. A tristeza que perdura ao longo da interminável música consegue arrancar a que foi a única lágrima de seu irmão. Ali se evidencia a vergonha que Brandon possui em relação ao seus sentimentos. Ele esconde o que na irmã transborda: o medo do abandono, um provável passado sofrido e a impossibilidade de amar e ser amado.
            “Depois do silêncio o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música”. Aldous Huxley.
            Às margens do rio Hudson, Brandon experimenta o que mais se aproxima do que poderia vir a ser uma vivência amorosa e se depara com sua maior impotência.   
 ‎           "O amor tem a virtude, não apenas de desnudar dois amantes um em face do outro, mas também cada um deles diante de si próprio. 

Cesare Pavese.
            A patologia de Brandon não se situa na compulsão sexual ou masturbatória, mas sim na impossibilidade de criar qualquer tipo de laço. O sexo aparece banalizado, isento de sensualidade e afeto. Ocorre como ato em si, sem simbolização, sem significado. A pura descarga de uma dor psíquica intraduzível que se despeja num buraco ou corpo qualquer. O esvaziamento, que a priori traria alivio e prazer, o lança para um vazio ainda maior, ao encontro daquilo que nas suas compulsivas relações ele tenta não encontrar, a perda de seu próprio ser. Penso ser este um dos maiores dramas da nossa modernidade, o que chamaria de um niilismo afetivo, onde a busca e super valorização de uma pseudo liberdade nos conduz  à maior das escravidões. Escravos da solidão e do empobrecimento afetivo. Assolados por um destino solitário, acabamos sujeitados à crueldade do abandono em um universo populoso mas estéril de relações mais duradouras e profundas.
            Shame não é uma estória de amor, muito menos um dramalhão hollywoodiano. É um conto contemporâneo que retrata o vazio e o sofrimento resultantes da marginalização do próprio desejo e da volatilidade dos vínculos. Além das excelentes interpretações de Fassbender e Mulligan a magnífica trilha sonora fazem dele um dos melhores do ano! Imperdível.


                                               

                                             

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Fim de Caso



Só nesta noite fui eternamente tua
Só  nesta noite senti o infinito nos nossos corpos
Só esta noite retornará interminável nos nossos sonhos

Senti cada pedaço do teu corpo, 
Como se fosse o meu
Senti o cheiro do desejo e o gosto das tuas entranhas                  
Deslizando na minha garganta 
A ânsia de te ter mais e mais

Nos engolimos
Suspiramos
Delirando,
Nos consumimos

Sobraram pedaços
Destroços ao avesso
Cansados
Nos deixamos

Sabendo que era o início de algum fim