segunda-feira, 16 de abril de 2012

SHAME



  Um conto sobre a solidão no mundo contemporâneo

            Nunca NY , a cidade mais povoada dos EUA e uma das mais populosas do mundo, parecera tão deserta. Neste cenário, numa big apple fantasmagórica enfatizada pelo diretor Steve MacQueen, encontramos a mais profunda das solidões vivenciadas na nossa modernidade. O vazio ao assistirmos Shame, assemelha-se ao experimentado em Blade Runner (1982).  O protagonista, Brandon Sullivan (Michael Fassbender) não está muito distante dos andróides de Ridley Scott, que nasciam adultos e tinham que aprender a sentir e a reconhecer seus sentimentos, como bebês crescidos em meio à selva urbana.
            Regada por uma trilha sonora mais  que nostálgica aos contemporâneos setentistas e oitentistas, se desenrola a estória de um homem solteiro que reside e trabalha em Manhattan. Bares, casos eventuais com sexo casual, garotas de programa, masturbação e pornografia, fazem parte de sua rotina carimbada pela solidão. A melancólica corrida noturna ao som do piano de Glenn Gloud, parecia mais uma forma de descarregar algo de sua mente, do que propriamente um simples exercício físico.
            O filme inicia com uma cena que considero uma preciosidade, tratando-se de expressões. Brandon está sentado no metrô a caminho de seu trabalho. Frio e impassível observa uma mulher sentada à sua frente. Seu olhar é direto, inalterável, hipnotizante, como um predador mirando sua presa. Ela, aos poucos, vai relaxando, deixando-se penetrar, nos dando a sensação de um quase  êxtase. Já nesta cena, Brandon  mostra o que faz de melhor durante todo o filme - capturar o desejo das mulheres. O atributo masculino de despertar o desejo feminino é habilmente utilizado por ele. Contudo, nada progride além de um orgasmo. Desejos que escoam pela privada, assim como suas masturbações compulsivas a qualquer hora do dia. Masturbação que por si, funciona como um droga, uma fuga, uma recusa do desejo, que liberando-o da necessidade do outro transforma a possível dependência de alguém em dependência de algo. Provável forma de se proteger da falta ou abandono que poderia vir a experimentar em uma possível  relação, como faz um dependente químico ao buscar na miragem passional a consistência ontológica que não possui.
            Toda a liberdade de Brandon é interrompida quando abruptamente sua irmã Sissy, (Carey Mulligan) invade sua vida. Ao som de “I want your love” (Chic) tocado em um vinil, ele entra em casa achando que há um ladrão, mas surpreende-se ao encontrá-la tomando banho. É neste momento, com tempero incestuoso, que os irmãos se reencontram. O encontro de duas faces de uma mesma moeda.  Sissy, o estereótipo da mulher carente, emotiva e passional contrapõe-se à frieza, racionalidade e egoismo do irmão. Estão, os dois, frente a frente com o oco de suas existências.
            Outra pérola do filme é a cena em que Sissy interpreta New York New York. A tristeza que perdura ao longo da interminável música consegue arrancar a que foi a única lágrima de seu irmão. Ali se evidencia a vergonha que Brandon possui em relação ao seus sentimentos. Ele esconde o que na irmã transborda: o medo do abandono, um provável passado sofrido e a impossibilidade de amar e ser amado.
            “Depois do silêncio o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música”. Aldous Huxley.
            Às margens do rio Hudson, Brandon experimenta o que mais se aproxima do que poderia vir a ser uma vivência amorosa e se depara com sua maior impotência.   
 ‎           "O amor tem a virtude, não apenas de desnudar dois amantes um em face do outro, mas também cada um deles diante de si próprio. 

Cesare Pavese.
            A patologia de Brandon não se situa na compulsão sexual ou masturbatória, mas sim na impossibilidade de criar qualquer tipo de laço. O sexo aparece banalizado, isento de sensualidade e afeto. Ocorre como ato em si, sem simbolização, sem significado. A pura descarga de uma dor psíquica intraduzível que se despeja num buraco ou corpo qualquer. O esvaziamento, que a priori traria alivio e prazer, o lança para um vazio ainda maior, ao encontro daquilo que nas suas compulsivas relações ele tenta não encontrar, a perda de seu próprio ser. Penso ser este um dos maiores dramas da nossa modernidade, o que chamaria de um niilismo afetivo, onde a busca e super valorização de uma pseudo liberdade nos conduz  à maior das escravidões. Escravos da solidão e do empobrecimento afetivo. Assolados por um destino solitário, acabamos sujeitados à crueldade do abandono em um universo populoso mas estéril de relações mais duradouras e profundas.
            Shame não é uma estória de amor, muito menos um dramalhão hollywoodiano. É um conto contemporâneo que retrata o vazio e o sofrimento resultantes da marginalização do próprio desejo e da volatilidade dos vínculos. Além das excelentes interpretações de Fassbender e Mulligan a magnífica trilha sonora fazem dele um dos melhores do ano! Imperdível.