quarta-feira, 13 de julho de 2011

Seria o pessimismo mais inteligente?

Resumo da conferência de Luiz Felipe Pondé oferecida pela Unimed POA
Luiz Felipe Pondé esteve em Porto Alegre participando do Fronteiras do Pensamento. Foi uma palestra dinâmica, instigante  e com aquele humor inteligente e provocador característico de Pondé.


Pessimismo e modernidade
Resumo por Sonia Montaño
A noite de 11 de julho do Fronteiras do Pensamento abriu com a saudação musical de
Paulo Inda, professor do Departamento de Música da UFRGS, que interpretou Johann
Sebastian Bach em violão.
O conferencista, o filósofo Luiz Felipe Pondé, se propôs a responder e respondeu à
pergunta que deu título a sua fala: Seria o pessimismo mais inteligente? Conforme o
professor da USP, a pergunta nasce do fato de que a maior parte dos intelectuais só
fala em desgraça. Ao mesmo tempo, “pessimismo” e “otimismo” apresentam suas
dificuldades por não serem conceitos, são termos escorregadios que podem significar
muitas coisas. Para Pondé, os avanços do mundo acontecem porque grande parte de
filósofos, escritores e cientistas continuam a ser  pessimistas. “Uma pessoa que
sempre está alegre, você se pergunta se sabe o que está acontecendo à sua volta”,
brincou o filósofo. O pessimismo, então, seria mais inteligente?
Refletindo sobre o dualismo pessimismo–otimismo no mundo ocidental, o colunista da
Folha de S.Paulo lembrou que esperança é essencial para os seres humanos, e entre
os pessimistas da história ocidental estariam o gnosticismo e o cristianismo, mas não
só, o pessimismo teria prevalência na história do pensamento. Entre os exemplos de
otimistas, o conferencista lembrou a filosofia grega, que é uma reação à tragédia
grega, pessimista por natureza. “A filosofia, – Sócrates, Platão, Aristóteles – investe
na ideia de autonomia do ser humano. Com o tempo ela cria um problema. A ideia de
autonomia como capacidade do ser humano orientar a vontade a partir do intelecto
ganha contornos sombrios na história ocidental”, explica Pondé.
Os dois humanismos
No Renascimento, a noção de humanismo tinha dois sentidos. O primeiro é um
humanismo mais filosófico, aquele que é a base do otimismo moderno, que tem a
visão do humano do filósofo Pico Della Mirandola (1463-1494), um homem cheio de
potências a serem realizadas. A pergunta era: basta a filosofia para a felicidade ou
precisa da fé? Os estudiosos de Aristóteles defendem a primeira opção, com a razão e
o intelecto basta. É o que está na base da grande dogmática moderna, visão de
autonomia intelectual como potência infinita para ser realizada. A natureza humana
teria tudo para resolver os problemas que vão se apresentando à humanidade. O que
nos falta é prática, conhecimento, esforço. Essa ideia supõe conhecimento do
passado para iluminar o futuro.
O segundo humanismo é o de um grupo que ficou conhecido como anti-humanista,
entre os séculos 13 e 17, que afirma que não dá para confiar direito na natureza
humana. No século 17, na França, esse debate é muito acirrado. Os otimistas
venceram pelo surgimento da ciência moderna, a tecnociência. A ideia de ciência já
trazia implícita uma relação direta entre ela e o bem-estar da humanidade. A maior
parte dos seres humanos pensa que a ciência é um ganho.



“A ciência já nasceu com um otimismo implícito. Marca-passo, transplante, avião,
computador. Mas a história da evolução científica está associada a uma série de
problemas”, disse o conferencista.
Para Pondé, a espécie humana tem dentro dela certa violência e crueldade, e seria
ingênuo lidar com os avanços da humanidade com otimismo total. Do ponto de vista
filosófico, existe sempre a pergunta sobre o sentido da vida, que normalmente
produz um pessimismo. “A vida é algo que no final sempre dá errado, e no meio dela,
às vezes, você tem boas experiências”, ironizou o filósofo, lembrando que o ensaísta
Michel de Montaigne (1533-1592) acreditava que as virtudes da velhice são a
impossibilidade de realizar os vícios da juventude. Existiria, então, um pessimismo de
fundo, uma angústia ligada ao cotidiano. A ciência, a liberdade e a democracia não
teriam muito a dizer quando você descobre que seu filho de 15 anos tem um câncer e
pergunta “por quê?”, buscando conforto. “Temos o medo de fundo de que a gente
seja só pedra vagando pelo universo. É um assalto de pessimismo que nos
acompanha”, diz o conferencista. A ciência avança muito em relação à extensão da
vida, mas não consegue dar sentido para a vida.
O pessimismo e suas dúvidas funcionariam, então, como uma espécie de controle de
qualidade, atenção contínua, avaliação de tudo o que o ser humano faz. Grande
parte dos filósofos e intelectuais são pessimistas porque a história dá muitas razões
para sê-lo. Luiz Felipe Pondé destacou o perigo que é quando um ser humano tem
excessiva paixão por si mesmo, excessiva confiança  no que faz. “O século 20 foi
profundamente otimista. Pessimismo e otimismo são necessários o tempo todo.
Quando você é pautado por uma hibris, isto é, quer dar o passo maior que a perna, é
bom ter uma crisezinha de pessimismo”, defendeu Pondé.
Para ele, seria ingênuo achar que o debate está em ser contra ou a favor da ciência e
da modernidade. Entre ciência e política, é necessário operar nesse equilíbrio entre
pessimismo e otimismo. “Isso é o que o século 20 nos ensinou”, salientou Pondé.
O pessimismo seria a consciência, a dúvida. Mas, se alguém duvida demais, paralisa.
O capitalismo só funciona no otimismo. Em momento de muitos avanços técnicos, é
muito importante ficar atento, porque os avanços não são só fruto da nossa
capacidade criativa. São fruto também da dúvida da própria capacidade criativa. É o
perigo da eugenia, que, em certa forma, já estava com Platão em A república, onde
projeta uma utopia, em que as mulheres mais bonitas e saudáveis teriam filhos com
os homens mais bonitos e saudáveis e seria o início de uma geração mais bela. A
eugenia é um dos piores riscos do otimismo. “Me parece um enorme erro filosófico
para alguém que vive em 2011 não perceber que devemos tomar cuidado com ideias
como essa. Pessimismo no sentido de olhar mais crítico, mais lento, que parece pisar
no freio em algumas coisas. Já tivemos exemplos suficientes de que os avanços
técnicos precisam de cuidados com os projetos utópicos e os riscos que eles
implicam”, defendeu o filósofo.  Para ele, o que sempre humanizou o ser humano é uma certa dose de sofrimento. A
vitória e o sucesso são coisas fantásticas, mas podem ser ferramentas de
desumanização, de impaciência com as pessoas vistas como lentas demais, que
choram demais, frágeis demais. “A experiência do limite humaniza o ser humano, faz
com que ele se sinta frágil, pequeno. O pessimismo  seria um modo de olhar a
humanidade”, concluiu o conferencista.
Encerrada a conferência, Luiz Felipe Pondé respondeu às perguntas da plateia.
Questionado sobre o papel da ciência no desencantamento do mundo, ele lembrou
como no Romantismo houve um reencantamento com a ideia de natureza e reafirmou
a ideia de ciência como otimismo.
Perguntado sobre o fundamentalismo religioso, disse que a religião é um sistema de
sentido que reúne comportamentos cotidianos e narrativas cósmicas que dão
significado ao comportamento. O fundamentalismo seria uma reação a determinados
índices da modernidade a partir de práticas da religião literais do texto sagrado. Um
suposto retorno a um mundo religioso verdadeiro que teria sido destruído pela
modernização, já que a modernização é vivida como desencaixe de tudo. Haveria,
então, uma visão pessimista em relação à modernização, mas ele oferece um
reencantamento da vida.
Pondé comentou ainda sobre o problema do pensamento politicamente correto, como
aquele pensamento covarde que simplifica a discussão, e disse que, se pudesse voltar
para o passado, escolheria a Idade Média, já que foi muito injustiçada pelos
iluministas. “Mas iria com passagem de volta”, brincou o conferencista.

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