terça-feira, 24 de maio de 2011

Conferência de Fredric Jamenson- Fronteiras do Pensamento 2011


 Com sua reflexão sobre A estética da singularidade, o crítico literário norte-americano abordou as texturas e estruturas da pós-modernidade, aqui apresento um resumo oferecido pela UNIMED, de sua conferência em Porto Alegre no Fronteiras do Pensamento.

A estética da singularidade 

                                    por Sonia Montaño

O Fronteiras abriu sua 5ª edição, ontem à noite, dia 23 de maio, em grande estilo e
com o Salão de atos da UFRGS lotado. A saudação musical feita pela pianista Simone
Leitão, apresentando a Sonata número 2 do compositor russo Sergei Rachmaninoff
escrita em 1913, antecipou a intensa atividade imaginativa e intelectual que viria
com a presença do conferencista, Fredric Jameson, crítico literário norte-americano.
O apresentador da noite, o jornalista Tulio Milman, convidou ao palco o reitor da
UFRGS, Carlos Alexandre Netto, o prefeito da cidade, José Fortunati, e o governador
do Estado, Tarso Genro, que deram as boas-vindas aos participantes e comemoraram
mais uma edição do evento. “O acúmulo democrático em nosso país traz eventos
extraordinários como este. Empresas de grande importância no cenário regional e
nacional promovem um evento dessa envergadura num momento em que muitos
países europeus enfrentam dificuldades extraordinárias provavelmente porque não
refletiram suficientemente sobre seu futuro”, salientou o governador.
Maria Elisa Cevasco, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, foi mediadora do debate e chamou o conferencista da
noite, cuja erudição impressionou os participantes. Fredric Jameson abordou as
características da pós-modernidade como a abolição  do tempo pelo espaço e a
transformação de objetos em eventos, isto é, as mudanças nos modos de produzir e
consumir a arte. Ele analisou os três estágios do capitalismo com um
desenvolvimento cíclico: a implantação do capitalismo, o desenvolvimento e a
saturação (com especulação financeira).
A estética da singularidade
Fredric Jameson iniciou sua fala defendendo que a melhor designação da estrutura
do presente é a pós-modernidade, e caracterizou esse tempo nas mais diversas áreas
da vida cultural e social. A característica básica do pós-moderno seria a substituição
do tempo pelo espaço. O tempo é abolido e a realidade política e estética do espaço
ultrapassou a ênfase modernista sobre o tempo.
Para o autor, o principal fenômeno espacial é a globalização. Pós-modernidade e
globalização são a mesma coisa, a pós-modernidade é a face cultural da qual a
globalização constitui a infraestrutura, a realidade econômica.
Arte e estética
Conforme o conferencista, o pós-moderno implica um debate sobre as singularidades
e sobre seu oposto, os universais. Na arte, os universais são chamados gêneros, e o
modernismo destruiu os universais genéricos e criou obras que fossem únicas,
singulares, textos dificilmente classificáveis sob  a ótica do gênero. O modernismo,
então, já era nominalista em seu estilo e quis colocar objetos únicos no lugar da
repetição padronizada de formas físicas específicas. Embora em si próprios estejam
esgotados, no nível da cultura de massa esses universais genéricos continuam a ser
praticados na TV, nos romances populares e nos filmes. O modernista aspira realizar
uma obra singular.
Tínhamos duas premissas no modernismo que foram descartadas no pós-modernismo:
1) A criação de uma obra no modernismo é também a criação de estilo. O estilo é singular em relação à obra repetível. Quando as possibilidades de novos estilos
estiverem esgotadas, então o modernismo entrará em  crise terminal.
2) Por outro lado, há uma espécie de religião da arte, a percepção de que a arte é uma vocação
total, autônoma em si mesma. O pós-modernismo, então, descarta ambas as premissas.

Os objetos da arte: eventos em lugar de obras 

Olhando o objeto em si, muitos críticos falaram da volatilização do objeto de arte.
Significa o fim dos produtos mais antigos como o quadro a óleo ou a estátua. Haveria
a primazia da instalação, que inclui uma série de objetos diferentes. Nenhum desses
objetos é o objeto da arte, a arte está na combinação, na relação deles. Ela é espaço
e não presença. O artista pós-moderno aspira produzir não um objeto, mas sim uma
estratégia de produção ou uma “receita”. A instalação é uma desintegração do
antigo sistema clássico das belas artes. No pós-moderno as artes se fundem,
recorrendo uma a outra em simbioses novas e inesperadas. A fotografia era prima
pobre da literatura e se tornou importante na pós-modernidade, mas passando por
hibridizações e enxertos com outras artes. A fotografia é uma abstração do visual, do
tátil e do corpóreo, essa abstração é própria do pós-moderno.



A hibridização da arte  

Haveria nas artes pós-modernas o desaparecimento das vanguardas como tais e o
enfraquecimento das estruturas coletivas e da política partidária, porque ambas
tinham uma relação estreita na modernidade. Mas, conforme Jameson, alguma coisa
tomou o lugar das vanguardas no cenário atual. Para explicar essa afirmação, o
conferencista voltou à instalação, típica expressão pós-moderna da arte. Para ele,
podemos ver como o conjunto de artigos heterogêneos tem seu macro equivalente no
museu contemporâneo com suas mostras e exposições temáticas. A vanguarda
coletiva foi substituída pela figura singular do curador.

Arte e idéias 

A instalação não é feita para a posteridade e sim para o agora. Por isso ela é uma
estratégia para produzir um evento. Mas que espécie de eventos eles são? Eles estão
perpassados de tecnologia. Atualmente, junto com as tecnologias consumimos seu
valor de troca e sua essência simbólica, como antes era consumido o automóvel.
Consumimos a própria forma da comunicação. Já com o livro era possível consumir a
ideia do livro com a mesma satisfação com que se consumiria o livro real em si. A
ideia é uma espécie de descoberta técnica ou invenção. A arte atualmente é gerada
por uma ideia brilhante que combina forma e conteúdo, e pode ser repetida
infinitamente até que o nome do artista assuma uma espécie de conteúdo próprio. Os
artistas atuais criam a partir de ideias e não de outras obras, inspiram-se em leituras
de Baudrillard, Deleuze ou quem for. Por isso a obra é mais a sua ideia. Consumimos
não aquela obra e sim a ideia da obra, que é mistura de teoria e singularidade. A
consumimos como ideia, é um processo teórico, e não uma presença sensorial, e cada
artefato reinventa a própria ideia de maneira singular.




 Da cozinha ao mercado financeiro

 Um exemplo de evento estético pós-moderno é a cozinha. A chamada cozinha
molecular tem 35 pratos com aparência estranha. Eles não são mais objetos naturais,
ou realistas, são abstrações do natural. O texto do aspargo, ou da berinjela, ou do
caqui, foi separado do corpo natural e encarnado numa nova textura e forma. Essa
forma é importante em si mesma. Cada novo prato não só corresponde a uma receita
escrita, os pratos são fotografados e a imagem, preservada. Você consome, então, o
prato junto com a ideia. Você consome a combinação de elementos. São lanches de
astronautas que escaparam do domínio do universal e seu sistema de nomeação,
sendo que no modernismo as comidas ainda eram classificáveis como: frutos do mar,
carne, verduras, temperos etc.
O efeito de singularidade artística pós-moderna está também na economia. O
mercado financeiro se inspira no mercado de arte, expressa-se no instrumento
financeiro singular chamado derivativo, um tipo de contrato no qual se estabelecem
pagamentos futuros cujo montante é calculado a partir de uma variável. É resultado
da situação da globalização em que múltiplos determinantes em constante
modificação, ritmos e velocidades permanentes tornam problemática qualquer
estrutura estável. Tudo é possível agora, contanto  que assuma condição efêmera e
dure um breve período de tempo. Evento e não objeto durável, o capital financeiro
passa por um processo de abstração. O derivativo, então, é um evento singular mais
do que um contrato, e até foi chamado de equivalente financeiro da bomba atômica.
Como exemplo, o conferencista imaginou uma empresa norte-americana que faz um
contrato para fornecer 10 milhões de aparelhos celulares para uma sede brasileira de
uma empresa sul-africana. A arquitetura interior será produzida por uma empresa
italiana, seu revestimento por uma empresa japonesa e outra mexicana.Temos aqui
pelo menos seis moedas diferentes e suas taxas de câmbio estão em fluxo constante.
As relações entre as taxas devem ser garantidas por uma espécie de seguro. Esse
conjunto de seguros faz aquele instrumento financeiro. Nunca há um derivativo igual
a outro. É difícil regular a dinâmica desse tipo de instrumento.
A partir do conceito de singularidade há também a transformação da subjetividade,
da política e da própria cultura. Há, na base disso tudo, segundo Jameson, uma
filosofia ligada a um antiessencialismo e a um antifundacionalismo. Isto é, a luta
contra qualquer ideia normativa da natureza humana  e o repúdio de qualquer
sistema metafísico último ou definitivo. Todos esses princípios já estavam inclusos no
essencialismo sartreano. A filosofia pós-moderna é  mais um sintoma da pósmodernidade.
A distância espacial é, agora, a da simultaneidade  temporal. Nunca antes uma
sociedade teve uma percepção tão efêmera de seu passado. Ninguém mais acredita
na transformação da sociedade a longo prazo, o presente está encerrado, o passado
não existe e o futuro é visto como desastre ecológico. Essas seriam algumas das
consequências da primazia do tempo sobre o espaço.
Com isso, a política pós-moderna é essencialmente uma tomada de território. Basta
pensar na ecologia, nas florestas, ou na Palestina, nas grandes cidades, favelas e
periferias. Tudo tem a ver com a comoditização da terra, últimos resquícios do
feudalismo. O tempo está na instantaneidade do telefone celular e da mensagem de
texto usados pela multidão, a política é a política do instante.



Debate

O conferencista encerrou sua fala e respondeu às perguntas do público e da
debatedora. Foi perguntado sobre a nova política das identidades e dos direitos dos
grupos, as implicações para a justiça e o direito de situações que não podem ser reguladas e sobre a possibilidade dele próprio ter  uma visão conservadora da arte.
Além disso, houve perguntas sobre pós-modernidade e música e sobre a globalização
como um momento realmente diferente dos seus precedentes.
Entre outras questões, Fredric Jameson lembrou de experiências políticas mais
recentes a partir dos levantes em Seattle e mostrou a crise da política partidária,
que se transforma num tipo de poder constituído após a emergência de uma
subjetividade de massas. Trata-se de um fenômeno político novo.
O conferencista também esclareceu que suas constatações sobre a pós-modernidade
tentam descrever uma realidade e não fazer uma avaliação ou julgamento. Alguns o
interpretam como entusiasta e outros como crítico desse tempo.
Para ele, o acontecimento música se espacializou, as pessoas vivem dentro da
música. Em relação à globalização como tempo realmente distinto, Jameson disse
conhecer bem os argumentos de que sempre houve a globalização. È verdade que
encontramos artefatos asiáticos na costa americana ou africana há muito tempo, mas
a prova de que o presente é um tempo diferente é a  transformação da experiência
humana.




2 comentários:

  1. Intrínseco aqui desse ponto de vista: a conferência remete ao ‘caliente’ debate da com-vivência dos mortais:

    A proximidade das pessoas ao até então almejado, inacessível campo da cultura e informação. Digamos, que: das revistas ao toque - extra-dimensional de sentimentos (tátil e do corpóreo, essa abstração é própria do pós-moderno).
    E conseqüente amplitude do terreno de debates.

    Sobressai desse advento a necessidade do toque. O que também de certa forma dissipa no campo sensitivo desta agora hipotética e mais possível absorção que irriga o play-mobil (a medida que compele agir), numa conseqüente e célere auto-motividade criativa.

    Momento este de pulsão propícia a erradicação do pensamento ignóbil que se voltaria animoso ao avanço de anseios culturais capazes de transformar toda uma sociedade.
    Sim. Possível. Através das simbioses novas e inesperadas.

    E porque de não se admitir que esse momento reflita na transmissão de visão dinâmica do inconsciente. Perguntaria à Frederic: “- o que essa transformação da subjetividade e experiência humana nos propicia em termos da cultura religiosa e o seu sentido?

    A nosso ver, então, que esta dissipação cultural seja propícia e atuante na redução da margem de eficácia da pulsão de morte e do histericismo coletivo.
    Até a próxima...

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  2. É uma pena que idéias tão profundas, sensíveis e inteligentes não puderam ter sido compartilhadas nos encontros com Frédric...
    Pessoas pensantes realmente fazem a diferença em nossa sociedade, diria, diferença e falta...
    Não ousaria responder a pergunta levantada, mas talvez Nietzsche nos ajude a pensar:
    "Só como fenõmeno estético a existência e o mundo aparecem eternamente justificados"
    e outra
    "Art is the proper task of life"
    Até!

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