quinta-feira, 19 de maio de 2011

PRECISO DE VOCÊ


Preciso de você

01/04/2011 22h41
Cada pessoa precisa de alguém que o ajude a chamar o seu êxtimo, de meu íntimo 
Jorge Forbes
A jornalista me pergunta impressionada a razão de novas pesquisas constatarem que, contrariamente ao que muitos esperavam, o povo da internet cada vez mais associa seus passeios na rede com a necessidade de estar junto. Esse fato relativiza as críticas morais que bradam ameaçadores avisos anunciando que o mundo estaria perdido, pois a www -  World Wide Web – seria uma teia perigosíssima que estaria aprisionando nossa pobre juventude, em um isolacionismo narcisista e emburrecedor.
Essa notícia chega ao mesmo tempo em que o Papa se precipita em condenar um aplicativo para smart-phones, através do qual o fiel antenado se confessaria on line, sem a necessidade de se ajoelhar na madeira dura de um confessionário escurecido por muitos pecados ali penitenciados. Ao menos dessa vez, ufa!, o Papa mostrou que “tá ligado”, pois a web não substitui a presença física.
Na mesma vertente, podemos falar da repetitiva pergunta se é possível fazer análise por skype, ou serviço semelhante, sem ter que se preocupar com o terrível trânsito das grandes cidades, bem como se garantir em ter seu analista à mão, ou melhor, na tela, entre um mergulho e outro, em uma ilha paradisíaca, do outro lado do mundo.
Não dá. Há um quê na presença física que é insubstituível. E se dizemos “um quê” é exatamente pelo fato de não podermos precisar o que é isso da presença física que não sabemos traduzir em nenhum idioma e por nenhum meio, razão pela qual não a podemos substituir, pois, como celebrou Michel Foucault: “a palavra é a morte da coisa”; se falamos de algo, substituímos o algo pela palavra e não precisamos mais dele.
Em um mundo que quebrou os paradigmas cartesianos de espaço e tempo, jogando-nos no furacão do ilimitado sem fronteiras, não há nada a estranhar na necessidade da presença física do outro, do corpo do outro, do seu enigma, do cheiro, cor, som, movimento, textura, olhar, que não sabemos traduzir em bytes. Esse enigma do outro é o remédio para a angústia tão atual, por nos termos visto transformar em habitantes de lugar nenhum.
Seis mil moças e moços geeks se acotovelaram por uma semana, em São Paulo, em uma festa chamada Campus Party. Seis mil!, em um pavilhão de exposições. É tão importante estarem juntos, que um nipo-brasileiro, morando ao lado do local da festa, trocou o conforto de seu quarto, por uma tendinha de campanha, verdadeiro elogio do desconforto.
A presença do outro nos remete ao mais essencial de nós mesmos. Se fôssemos honestos, parodiando Vinícius, jamais diríamos expressões do gênero: “no meu íntimo”. E isso porque o que nos escapa é exatamente o nosso íntimo. Diríamos, melhor, com Lacan: “no meu êxtimo”, sim, porque o meu íntimo me é tão estranho – quem já passou por uma análise sabe bem o que estou descrevendo – que melhor chamá-lo de êxtimo, clara alusão ao estranho e ao externo de si mesmo, que habita cada um.
Podemos nos livrar de muita coisa na vida, mas não da gente mesmo, em especial desse ponto íntimo desconhecido, promotor de nossas paixões, essa força estranha vivida na sensação do “mais forte que eu”. A presença física do amigo, do amado, do familiar, do próximo, nos reconecta com esse ponto fundamental, âncora de nossas existências, ponto transcendente de nossa imanência, se quisermos nos valer do discurso da Academia.
Nesse mundo de aparente tudo pode, e de em tudo estou, não por isso devemos nos assustar que ao lado do aumento dos acessos aos meios virtuais, vejamos crescer em paralelo os lugares de encontro físico, sejam eles campus parties, igrejas, consultórios, bares, cruzeiros. Os motivos são variados e o que neles se realiza, também, mas a necessidade é uma só: estar junto. Na era da pós-modernidade, onde o laço social das identificações é predominantemente horizontal, nos damos conta que o principal afeto, o mais fundamental afeto, é o da amizade. Cada pessoa precisa de alguém que o ajude a chamar o seu êxtimo, de meu íntimo.
(artigo publicado na revista Psique nº 63, março 2011)

7 comentários:

  1. "...que melhor chamá-lo de êxtimo, clara alusão ao estranho e ao externo de si mesmo, que habita cada um."

    Ééé.... e no divã (o analisando),
    estará assim a demandar:
    - Não me dê o que peço, pois não é isso
    que eu quero.

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  2. Bem, ainda que por outro prisma:

    Que a linguagem faz automaticamente insistir à contraposição do imaginário (e que aqui também entra o prazer), e por aí vai: no 'OLHAR', no 'TOCAR'.

    O texto remete ao campo da linguagem e o campo do gozo. Que nos referencia à leitura em Seminário XX (Lacan), ainda, o que se
    abstrai acerca do 'vorstellung representanz'.
    O representante das representações.

    Mais que perfeito, acaso um dia possa sentir isso na pele, novamente, se possível...
    ...e nesse campo da linguagem...
    ...com um bom vinho, como costuma-se dizer.
    E O DESEJO cada vez + FORTE...
    ...A FLOR DA PELE!

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  3. O analisando sim...
    Mas e a MULHER?
    " ...o problema é que o amor não consiste apenas nessa relação que se estabelece pela fala: ele comporta também sua vertente real onde encontra seu limite. Daí a tendência, ilustrada pelo amor cortês, a apegar-se à vertente simbólica do amor: É uma maneira inteiramente refinada de suprir a ausência de relação sexual, fingindo que somos nós que lhe pomos obstáculos(...). O amor cortês é, para o homem, cuja dama era inteiramente, no sentido mais servil, a SUJEITA, a única forma de se sair com elegância da ausência da relação sexual" (vide Lacan livro XX)

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  4. Ainda sobre o desejo...
    Antes mesmo desta demanda:
    "Não me dê o que peço, pois não é isso que quero..."
    Precisamos reconhecer qual o verdadeiro desejo do outro...Será que é o mesmo do nosso imaginário?
    Percebo, pois, uma grande dificuldade nos homens em se aproximar "dos desejos" da MULHER...
    Se contentam em acreditar em suas "construções imaginárias"... O QUE OS AFASTA DE FORMA ABISMAL DA MULHER.
    Ainda quero crer, que exista homens dentro daqueles 5% que não precisam se esconder atrás de grandes carros, grandes contas bancárias e grandes constructos intelectuais e tentem, ao menos, se aproximar verdadeiramente, com toda fragilidade,dele e dela, de uma MULHER...

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  5. E depois o UNIVERSO não entende porque o meu mundo é muito maior que ele.

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  6. Fernanda
    Eu ainda, um dia quem sabe, vou compilar todos os comentários deixados por teus seguidores e respondidos por ti, formando um verdadeiro tratado sobre o amor. Cada dia cada noite, me detenho a ler e fico a pensar entre os sonhos as fantasias e onde quero eu chegar.

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  7. Aqui é um espaço para se falar, copiar e se criar amor. Pela escrita, pela poesia, pela música, pela arte,literatura, fantasias...
    Espaço para viajar e sonhar...
    Puro amor e desejo!

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